A cidade é um organismo vivo e dinâmico e se encontra em constante e acelerado processo de transformação. Isso significa que, ruas vão se alargando, edifícios vão sendo demolidos, outros construídos, sem falar nas obras de modernização como instalações de dutos de drenagem, mudanças na pavimentação, embutimento dos fios etc. Tais movimentações são recorrentes e quase sempre necessárias no processo de desenvolvimento das cidades. Apesar de esta ser uma característica que acompanha a dinâmica cultural da sociedade contemporânea, este processo tem caráter destrutivo que condena a ocultação ou destruição irremediável de grande parte dos vestígios arqueológicos dos períodos anteriores.
Entretanto, as ocupações tendem a se sobrepor com substituições, descartes e aterros com o passar do tempo. Como consequência desse fenômeno, os vestígios das ocupações anteriores permanecem em camadas mais profundas. A tendência na arqueologia é que quanto mais profunda a camada estratigráfica, mais antiga. Logo, quando há movimento no solo em decorrência das obras modernas mencionadas, as informações que os vestígios das culturas mais antigas podem nos fornecer ficam ameaçados. De fato, elas são inevitáveis, mas podem ser minimizadas através do acompanhamento das obras realizado por arqueólogos.
O acompanhamento e o resgate arqueológico estão atrelados as exigências legais para o licenciamento de obras e empreendimentos em locais de potencial arqueológico através da Lei nº 3.924/1961. Não é incomum que os empreendedores, responsáveis pelas obras ignorem essa etapa tão importante e iniciem as obras sem a licença emitida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –IPHAN. O órgão possui a primazia na proteção, preservação e gestão do patrimônio arqueológico brasileiro, assim como a regulação das pesquisas, estudos e inventários sobre esta manifestação cultural material. Esse deslize pode ser muito custoso para a empresa, mas principalmente para o patrimônio arqueológico, pois as perdas são irreparáveis visto que os materiais dependem dos contextos em que foram encontrados para a sua compreensão.
Nesses casos, quando o IPHAN passa a ter conhecimento das obras sem o licenciamento a ação costuma ser uma notificação de paralização das obras até que seja providenciado o acompanhamento arqueológico. O procedimento consiste na contratação de uma equipe de arqueologia para a elaboração do Projeto de Acompanhamento e Resgate de acordo com o Termo de Referência emitido pelo IPHAN, o qual deverá ser aprovado para a publicação da autorização do acompanhamento arqueológio in locco no Diário Oficial da União. A obra deverá esperar essa publicação para a continuidade de suas atividades, principalmente as de revolvimento de solo.
No acompanhamento é realizado a identificação, registro, coleta e curadoria de todo material arqueológico evidenciado pelos arqueólogos durante as obras. Esses materiais variam de acordo com o contexto em que foram encontrados. Geralmente são fragmentos de louças, cerâmicas, vidros, cachimbos, piteiras, moedas, ossos, materiais construtivos e outras vezes dizem respeito a antigas estruturas como, alicerces de casas, igrejas, partes de antigas linhas férreas etc.
Esse material será analisado e a partir dele é construído o conhecimento dos processos históricos que formaram a nossa sociedade. A arqueologia, por meio do conhecimento técnico e científico dos profissionais, tem a responsabilidade política e social para a construção do conhecimento, assim como para a aproximação e apropriação das pessoas com o patrimônio cultural. A produção de conhecimento científico potencialmente existente em detrimento de sua perda física total e/ou parcial decorrente das citadas obras. A compreensão da relevância desse patrimônio para a formação da identidade cultural de um povo é uma das premissas para a sua preservação.
O conhecimento arqueológico possibilita, entre outras coisas, a compreensão dos processos históricos, das relações sociais e da evolução urbana da cidade. A partir do conhecimento e da apropriação por partir da sociedade relacionada a ele, se torna possível a proteção dos sítios arqueológicos urbanos, assim como estabelecer a ressignificação a este tipo de bem cultural, colocando a sociedade civil como agente ativo e participativo desta ação. O acompanhamento arqueológico é uma oportunidade pertinente para a socialização da sociedade com o patrimônio arqueológico por meio das ações de divulgação e Educação Patrimonial e do confronto através das percepções de valoração entre os pesquisadores e a população. As informações produzidas pelas pesquisas arqueológicas também devem fornecer subsídios quanto as estratégias de conservação do patrimônio arqueológico identificado.